segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Instantâneos da verdade



Sinto que minha busca pelo conhecimento esbarra nas verdades enlatadas, construídas como panacéia para todas as necessidades. São como alimento armazenado em latas prontas, separadas por categoria e em quantidades calculadas, que tentam preencher necessidades reais e inventadas. Vendidas em prateleiras de mercado e enchendo carrinhos de compras, prometem matar uma fome da qual acreditei poder morrer, mas que não pode me matar.

Permaneço com os pensamentos perdidos e em busca de uma justificativa. Olho para o lado e vejo, como um instantâneo da vida, o motoqueiro distraído ao meu lado na estrada quase cair sobre o meu carro. Tenho ímpeto de sentir desprezo, que logo se desconcerta quando nele reconheço alguém que admiro. Se não o conhecesse, permaneceria um ser sem rosto, descuidado e sem amor à vida. Era justamente o contrário. E assim a verdade, enquanto entidade, se delineia como algo etéreo e sem consistência. Algo que não poderia ser enlatado e encontrado pronto em prateleiras. Momentos são diferentes. Mas isso não torna os sentimentos mais puros ou melhores. Apenas se cria um vazio de conexão entre ímpetos e intenções. E as verdades prontas vendidas em latas enchem carrinhos de supermercado perdidos e relegados ao universo das minhas dúvidas.

Agora não importa se palavras, como elementos de verdade, são ditas sem pensar ou se são cuidadosamente elaboradas, como são inúteis as justificativas de um erro escritas para a posteridade, como verdades enlatadas. Palavras têm sempre vazio e inconsistência. Não importa se são escritas ou sussurradas no ouvido ou se são gritadas do coração, como verdades da boca pra fora. Palavras ao vento ou palavras ensaiadas. Sinto a realidade se dissipando em instantâneos consecutivos e desconexos entre si, que se anulam pela intercorrência do tempo e do espaço. Sinto que as emoções são diferentes, se renovam o tempo todo. Palavras são estáticas. O tempo que se interpõe entre as palavras cria, ao mesmo tempo, seu sentido e sua incoerência. E eu permaneço buscando o significado que permanece nelas e apesar delas. Buscando uma verdade plástica, na qual possa acreditar, ou conviver com o vazio monótono e constitucional da realidade que se mostra aos pedaços nas bocas e palavras do dia a dia.


(Silvia Andreasi)

sábado, 16 de agosto de 2008

Olhares a gosto vesperam


*

Hoje meus olhares fechados sussurram:

nem mesmo o gelo-sereno dessa noite
pode resfriar a margem do anseio nu
morado nesse teu mistério corado;

cravada na terra dos instintos,
entre vésperas de quilates raros,
ela tanto fundo ilumina
a fome avoada de teu seio,
como alto incandesce de nós
o veio do leito imaginado:
de chamas raras,
queima o ponteiro dos olhos do tempo;
toda bem acesa,
é a âncora-luz dos espasmos mais altos!

E não terás de abrir-nos os escaninhos dos olhos
para se perderem todos em contação de estrelas
ou enxergar a voz estreita do êxtase madrugado!

A foz de teus arrepios,
plena e liberta às avessas,
não se acaricia ao visionar
a superfície do visível:

ela melhor se delicia, deságua e brinca
sob a entrega da cega alvorada vívida
ancorada no átimo do orgasmo das liras.




(Cel Bentin)